Agência Pública – A prisão preventiva dos brigadistas em Alter do Chão, revogada ontem pelo mesmo juiz que os prendeu, transformou-se em mais um enigma sinistro no país que arrasta o assassinato impune de Marielle Franco. Tudo até o momento aponta para uma armação – ainda não esclarecida – para incriminar quatro ambientalistas solidários que há anos lutam pela preservação do paraíso à beira do Tapajós. O objetivo está claro: atingir as ONGs acusadas publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro – sem um único indício – de colocar fogo na Amazônia.
Uma ideia tão estapafúrdia quanto o enredo apresentado pela Polícia Civil do Pará. Basta conhecer os personagens e a relação das fundações – como a WWF – com os que têm projetos financiados por elas, no caso a Brigada de Incêndio de Alter, para saber que é absurda a ideia de venda de fotos. É só ter acompanhado uma vez o trabalho de voluntários contra o fogo para saber que a história não cola.
A farsa que obrigou o juiz a voltar atrás, pelo menos em relação à prisão abusiva, começou a cair quando as gravações interceptadas entre um brigadista e uma interlocutora – das quais a polícia divulgou um único trecho incompleto como suposta prova – caíram em descrédito com a reportagem de Ana Carolina Amaral, da Folha de S. Paulo, que apresentou todo o diálogo grampeado, que nada tem de incriminador. Os vídeos que, segundo a polícia, eles estupidamente teriam postado depois de pôr fogo na floresta, não poderiam ter sido feitos por eles quando começou o fogo na APA de Alter do Chão, já que nenhum dos quatro estava na região nesse período como revelou o Projeto Colabora. Por fim, a nota do Ministério Público Federal esclareceu o óbvio: na investigação sobre o incêndio, feita pela PF desde setembro, “nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil”. Os responsáveis seriam os grileiros e o madeireiros que degradam a área de preservação.
O trabalho da imprensa e do MPF do Pará parece ter baixado a onda de fumaça que o governo Bolsonaro promove para encobrir a destruição real na Amazônia. A acusação ao presidente do Brasil no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade também vem em boa hora, às vésperas da COP de Madri, expondo a cara de pau de Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente acusado de fraude ambiental pelo Ministério Público de São Paulo.
O jornalista Gustavo Faleiros reuniu no Twitter quatro exemplos sintéticos que fundamentam as acusações a Bolsonaro por incitação ao genocídio de populações indígenas e tradicionais no TPI. 1) o número de invasões de Terras Indígenas em 2019 é o maior dos últimos três anos de acordo com o Cimi; 2) o desmatamento nas terras indígenas aumentou 74% este ano; 3) a Funai foi destruída, com abandono dos postos nas áreas de conflito e funcionários sofrendo ataques armados de madeireiros e grileiros; 4) a incitação constante à invasão dos territórios indígenas por garimpeiros feita pelo presidente, além de tratar os órgãos de fiscalização ambiental como inimigos.
E não são os únicos inimigos do presidente como mostra a tentativa de aprovar no Congresso o excludente de ilicitude para operações de GLO – Garantia de Lei e da Ordem – uma ameaça clara às populações das favelas e a todos os movimentos sociais. Isso na semana em que o ministro Paulo Guedes tascou sobre nossas cabeças, sem cerimônia, uma ameaça de AI-5, ao que parece motivada por dois ou três discursos de Lula depois de ser solto. Contou com a ajuda do TRF-4, que não se constrangeu em passar por cima de decisão do STF e aumentar a pena do ex-presidente, uma das únicas vozes fortes da oposição.
Não é só a Amazônia e os indígenas que estão em grave risco. É o país, a democracia, somos todos nós. Pelo andar da carruagem, vamos precisar muito da solidariedade internacional. Que a ignorância mascarada de patriotismo não nos impeça de acolhê-la.